Trilogia Before e o misticismo do encontro cinematográfico


Por: João Marco

Texto publicado no dia 11 de Junho de 2020 no site Vamos Falar de Cinema

Aviso: Esse artigo contém Spoilers!

Vislumbre a seguinte situação: você entra em um transporte (ônibus, metrô ou qualquer outro) e senta ao lado de alguém. Através do período da viagem, você começa a sentir um interesse em dialogar com a pessoa, descobrindo que aquela (ou aquele) tem uma conversa cativante, que prende sua atenção e que se revela atenciosa de maneira mútua (tanto você quanto a pessoa se revelam interessados no diálogo). Contudo, chega a hora de sair e se despedir, fazendo daquele momento apenas uma memória vaga de um instante curto, porém adorável com alguém que jamais terá a oportunidade de se reencontrar novamente. Um fato frustrante, mas que já estamos habituados a encarar como algo cotidiano, comum.

Mas não foi para o diretor e roteirista Richard Linklater, que, inspirado em uma situação semelhante na sua vida pessoal, decidiu construir uma história sobre a mística do encontro e as consequências que ele desempenha em nossa vida, seja através de memórias eternas ou a perpetuação da lembrança com o passar do tempo. Inclusive, é curioso que seu romance possua um lapso temporal de 9 anos entre os capítulos, separando os três encontros fundamentais do casal Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) em períodos distintos pela década, algo que acaba por reforçar a força da atração romântica que guardam dentro de si desde a primeira vez que se conheceram, em um trem indo a Viena.

No vídeo “A Utopia do Encontro”, o crítico de cinema Arthur Tuoto destrincha a ideia da paixão

episódica, que é incapaz de continuar, seguir em frente, mas que deixará marcas eternas na mente daqueles dois indivíduos. Nas palavras do Tuoto, “A tradição do encontro como uma utopia, uma união entre duas pessoas que nunca será completa, que carrega na sua natureza um ideal inalcançável, mas que celebra essa sua passageira realização quase como um milagre do cotidiano“. E, olhando com precisão, enxergamos essa idealização nos três capítulos da trilogia, desde a forma como Jesse e Celine se relacionam antes do terceiro capítulo (a ideia de um amor impossível de ser levada a frente) até nos conflitos conjugais dramáticos do terceiro, onde se cria a possibilidade de aquilo em Viena ter sido apenas um amor passageiro que não deveria ter sido continuo.

 

Essa ideia de “milagre do cotidiano” que Tuoto cita se reflete em uma espécie de força mística, quase fantasiosa, que une Jesse e Celine por gerações, incitando quase um ideal de destino nos encontros que possuem. Tuoto também comenta sobre o impacto desse encontro no casal (“(…). Filmes onde esse encontro é também irrealizável na sua condição completa, e a obra vai se focar no breve momento em que isso se deu. Nesse amor que pode até ser passageiro (…), mas que vai reverberar por toda a existência daqueles indivíduos, vai deixar marcas permanentes“), algo que é explícito na maneira como esse encontro deixa fortes lembranças e sensações no casal, elemento que Linklater aborda cuidadosamente no segundo capítulo da trilogia, Antes do Pôr-do-Sol, de 2004.

Permeando esses filmes por essa lógica mística do encontro e o peso que ele exerce no casal, é necessário olhar cada um dos filmes de maneira separada, procurando suas peculiaridades e a forma como eles utilizam esse ideal na construção dramática e emocional do relacionamento de seus personagens.

A mística do romance episódico.

Logo de inicio, Linklater já estabelece uma situação dentro do trem que, além de traçar um curioso foreshadowing, é interessante por evidenciar uma força mística de destino no relacionamento de Jesse e Celine: perto da moça, há um casal brigando em outro idioma e que, devido ao alto som que emitem, interrompe a concentração de Celine, forçando a jovem a sentar em um assento que se encontra ao lado daquele que estava Jesse, também com dificuldades em se concentrar. Através da situação conflitante daquele casal, Jesse se vê interessado a conversar com Celine, que demonstra um interesse mútuo. Através de um evento em específico, já temos os dois juntos em cena.

 

A partir desse ponto, Linklater também incita brevemente a futura discussão no quarto de hotel do casal ao colocar Celine para mencionar que, em certa parte do casamento, marido e esposa são incapazes de ouvir um ao outro. Depois desse evento, ambos se retiram em direção ao vagão de restaurante, onde o diretor realmente inicia o seu conto ao construir a interação de Jesse e Celine de modo realista, construindo uma lógica de plano/contra-plano que registra as expressões e reações de ambos. Essa dinâmica de montagem intensifica a personificação dos gestos feitos pelos atores, jamais criando uma idealização narrativa ou usando de uma linguagem assumidamente convencional no tratamento do romance crescente.

E além da articulação palpável que Linklater procura inserir nos contornos de sua obra, outros dois componentes que merecem destaque são os atores que dão vida as almas jovens e apaixonantes de Jesse e Celine. Ethan Hawke e Julie Delpy souberam criar uma caracterização própria que confere a personalidade daquelas figuras, indo do modo que se expressam aos gestos minuciosos, mas perceptíveis, as reações, os constantes olhares, tudo em prol de estabelecer a forte “conexão” que Jesse assume que eles possuem. 

E, claro, como ainda estão no “inicio da vida”, o sentimento amoroso que sentem é ainda mais forte e intenso do que a maneira mais delicada que tratam a atração na qual possuem um pelo outro nos capítulos posteriores. Um bom exemplo de sequência que reforça essa sensação magnética que existe entre eles é o segmento da cabine que, embalada pela inserção musical diegética, o casal troca olhares poderosos na qual Richard Linklater reforça ao manter a câmera estática em um plano conjunto onde vemos o rosto dos personagens.

Algo que Linklater merece aplausos por fazer aqui é posicionar o aspecto fantasioso do gênero romance e da ideia do ato de amar em um universo realista: constantemente, Jesse e Celine se questionam sobre a magia envolta nesse momento tão belo que estão vivendo, chegando a comparar a um sonho, uma fantasia do amor que vivem apenas por um dia até acordarem novamente em suas vidas normais – a sequência que Celine compara tudo aquilo a Cinderela transmite essa ideia de fábula muito bem. Eles só possuem aquele dia, uma história curta de amor que, à medida que a obra se aproxima do final, seus personagens começam a ficar entre o deslumbre da fantasia que testemunharam e a melancolia ao constatarem que aquilo logo irá acabar.

Até a maneira apaixonante que Linklater registra Viena se encaixa nisso, sempre exaltando a beleza, o deslumbre, a paixão e felicidade que rodeia tal espaço. Um palco do amor para que Jesse e Celine se apaixonem por uma noite trivial aos olhos cotidianos daqueles que passam por eles, mas especial para a vida do jovem casal que guardará as mais belas recordações de tudo que fizeram no fatídico dia 16 de Junho. Essa quebra da fantasia pela realidade é fascinante para mostrar como o amor do casal é eterno, imortal e que jamais deixarão que o “mundo real” destrua completamente aquilo que construíram, por isso decidem não permitir que aquela chama se apague nos minutos finais da projeção.

E tudo isso através da mística do encontro, do amor episódico que dura pouco tempo, que seus personagens tem a consciência do curto período que possuem e que tentam aproveitar aquele romance até onde é possível, elemento esse que obras mais recentes como Retrato de uma Jovem em Chamas souberam evidenciar muito bem. Posicionar isso em uma fase como a juventude, onde nossos sentimentos e paixões são mais intensos e marcantes é uma forma de intensificar a memória daquele dia no Jesse e Celine de 30 anos em Antes do Pôr-do-Sol e no casal com 40 de Antes da Meia Noite. Todo o amor que ambos sentem está alicerçado naquele lindo dia onde desceram de um trem e caminharam por Viena. Uma maneira de Linklater exaltar a força da trivialidade, já que a simplicidade do evento esconde uma história de romance imortal através da ideia do encontro.


E, por isso que o final de Antes do Amanhecer é belo em sua melancolia: ao mostrar os locais por onde Jesse e Celine passaram durante os 100 minutos anteriores, só que agora vazios, o diretor/roteirista explora a ideia das memórias eternas que pertencem a noção utópica do encontro. Para muitos que vivem ali, são lugares cotidianos, triviais e sem muita importância. Mas, para aquele casal de jovens, tais espaços guardam recordações de um amor eterno, imortal.

 

Amor que, mesmo adormecido ao revemos Jesse e Celine após nove anos, se revela ainda vivo.


A força dramática do reencontro.

Em certo momento desse Antes do Pôr-do-Sol, Celine comenta a Jesse sobre a possibilidade de só funcionarem juntos em pequenos encontros onde conversam, uma frase que reforça o ideal do encontro e como tal circunda o relacionamento do casal. Contudo, diferente do capítulo anterior que funcionava em uma vertente romântica na qual simulava um sonho de amor apenas para quebrá-lo com a realidade que confronta ambos, agora é o niilismo do mundo na qual Jesse e Celine estão alicerçados que é estruturado durante toda a narrativa, apenas para ser confrontado com um desfecho ambíguo onde Linklater deixa a decisão em nossas mãos.

 

Ainda no inicio da projeção, Jesse comenta sobre o final do livro que escreveu em uma entrevista numa livraria, e quando questionado sobre o final em aberto, explica que é um exercício da visão de mundo do seu leitor: se fosse cínica, o casal não teria se reencontrado, mas caso fosse romântica, o desfecho seria interpretado de outro modo. E, claro, é uma pista sutil de Linklater pela maneira como estrutura seu encerramento, jamais oferecendo uma solução do autor para a situação e deixando o público escolher entre os dois lados dessa moeda: o pessimista ou o esperançoso. Tal sentimento ceticista rodeia a projeção, não pelo amadurecimento de seus personagens, mas através do período coberto pela desesperança na qual foi lançado a obra, apenas três anos após os atentados ao World Trade Center – e o fato de Jesse e Celine terem morado em Nova York durante uma época de sua vida só intensifica esse aspecto.

Curioso notar como Linklater faz com que a articulação cinematográfica ao redor de Jesse e Celine siga o compasso emocional de seus personagens: amadurecidos e fragilizados por eventos da vida, ambos demonstram uma vida de emoções nulas, mesmo com grandes conquistas (o filho de Jesse, o emprego de Celine). São figuras que souberam seguir em frente, mas os resquícios daquele dia se perpetuaram em suas vidas, mesmo após nove anos de diferença, algo que o diretor explicita de modo fidedigno ao espaçar um lapso temporal real entre a produção dos capítulos que é evidenciado pelas mudanças físicas de Ethan Hawke e Julie Delpy, agora aparentando mais rugas e possuindo um conhecimento e aprendizado maior do que os jovens loucamente apaixonados de 1995 – e, curioso notar como Jesse se arrepende em diversos momentos de não ter trocado maiores informações com Celine, um comentário breve sobre como lidamos com erros da juventude e como eles impactam (ou não) em nossa caminhada.

Um bom exemplo do amadurecimento de Jesse e Celine é na maneira que Linklater registra Paris, poucas vezes abrindo seu plano para que tenhamos uma compreensão da beleza dos ambientes, mantendo a câmera no nível de seus personagens, criando uma conexão dramática ainda maior com o diálogo que nutrem. A fotografia, por exemplo, jamais procurar incitar um aspecto fantasioso no reencontro do casal, sempre compondo as ambientações da cidade com tons de sépia que pouco transmite aquela fábula do encontro romântico, fundamentando Jesse e Celine no mundo real. Ainda vemos os mesmos jovens energéticos, inocentes e esperançosos do filme anterior, mas agora, os vemos presos em uma casca áspera, dura, coberta pela experiência de vida que conquistaram em nove anos. Se antes viam trocar números como algo “negativo” em prol de um romance com toques de fábula, aqui se amarguram com a ideia de que tudo poderia ter sido resolvido se fosse mais maduros e racionais.

O obstáculo do casal em Antes do Amanhecer era o curto tempo de um dia, que impossibilitava a progressão daquele romance. Dessa vez, o tempo é a ainda mais severo com Jesse e Celine, já que o primeiro tem apenas alguns minutos antes de pegar um voo, fazendo da conversa do casal ainda mais imediata, algo que Linklater reforça pela objetividade narrativa desse capítulo: além de ser o menor em duração (80 minutos) de toda a trilogia, é o mais direto, estabelecendo os aspectos primordiais que irá abordar nos minutos iniciais e articulando-os durante toda sua narrativa. Para isso, Richard Linklater optou por conduzir sua obra em “tempo real”, mostrando a interação do casal durante esses minutos, resgatando tanto a atração que tinham um pelo outro, quanto a maneira que isso desestabilizam seu emocional. E por esse artifício, Linklater reforça certa força dramática do reencontro e como ele afeta a relação de seus personagens.

 

Ambos seguiram suas vidas sem quaisquer esperanças de voltarem a se encontrar, Jesse e Celine se relacionaram com outras pessoas, o primeiro casou-se e teve um filho e a segunda se tornou uma ativista ambiental e consolidou sua independência feminina que sempre foi parte de sua personalidade. Mas, ainda sobraram resquícios daquele amor episódico em Viena, uma espécie de chama que pouco se apagou, mas foi guardada para um possível reencontro – algo que se encaixa naquela idealização da utopia do encontro e suas consequências nos personagens. E, quando ele ocorre, é através do mais belo acaso, de uma possível coincidência que parece ter reunido aquele casal novamente, algo que contrasta com o ideal do destino quando Jesse e Celine se conhecem, trocando o fantasioso por algo mais palpável, comum, crível.

Aliás, é incrível notar que, mesmo com nove anos de diferença e um amadurecimento por parte de seus atores, não somente dos personagens, Ethan Hawke e Julie Delpy não demonstram esquecer os maneirismos e modos de se expressar de Jesse e Celine, intensificando ainda mais a personalidade de suas figuras, mas revelando uma maturidade que vai do gesticular, do modo ao se expressar e dos minuciosos detalhes, construindo um crescimento que vai além do aprendizado intelectual. E a forma na qual Linklater constrói a beleza na trivialidade de certos gestos de seus personagens é admirável: em certo momento, como ato de consolo, Celine tenta alisar os cabelos de Jesse, mas recua em um gesto natural, humano; já em outro instante, enquanto dialoga em um banco de praça, Jesse se encosta delicadamente de Celine, ação essa que é extremamente sutil.

Interessante constatar como, diferente do primeiro, esse capítulo possui uma construção dramática ainda mais severa com seus personagens, revelando o impacto que deixaram um no outro de modo positivo e negativo, costurando esse conflito através da bela sequência dentro do carro. Um reforço do aspecto emocional na cena é a sua construção a base de planos-conjunto longos enquadrando os personagens, algo que faz com que venhamos a capturar as reações de ambos a determinados comentários ou frases ditas. Há também o uso recorrente de planos-sequência que só impulsionam a idealização do tempo real e do imediatismo objetivo presente nesse projeto.

Se Antes do Amanhecer finalizava com planos dos locais em Viena por onde Jesse e Celine passearam e guardaram memórias eternas, Antes do Pôr-do-Sol inicia com um contraste disso: ao enfocar onde o casal irá passar durante os minutos seguintes, se opõe completamente a melancolia do capítulo anterior, que dividia seu casal no desfecho, fazendo com que ambos sejam reunidos novamente. Então, nada mais justo do que fixar todos os ambientes por onde aquele casal de amantes irá caminhar. Exibir o palco que irá fundamentar o amor que sentem. E por isso que Linklater optou por um final ambíguo: não é necessário revelar o que realmente ocorreu entre eles. Não é preciso mostrar isso como uma confirmação óbvia.

 

Você já sabe a resposta.

A tragédia grega de Jesse e Celine


Continuando após um extenso lapso de mais nove anos, dessa vez acompanhamos o casal de amantes Jesse e Celine consolidados em seu amor, agora vivendo como marido e mulher e acompanhado de duas filhas que amam e cuidam. O contraste do tempo é nítido: se há dezoito anos, acompanhávamos a aventura amorosa daquele casal de jovens pela cidade de Viena e, nove anos depois resultando no seu reencontro em Paris, agora vemos os protagonistas chegarem a uma idade avançada, onde suas preocupações são mais íntimas, seus dramas são pessoais e o amor de ambos é desafiado. 


Uma tragédia grega que não podia ocorrer em outro ambiente se não fosse a Grécia.


Se a Paris de Antes do Pôr-do-Sol já contemplava uma composição sépia, alicerçada em um ideal realista, pessimista e desesperançoso, esse caminha ainda mais por tal vertente ao compor as belíssimas paisagens da Grécia com tons melancólicos, um leve e sutil emprego do azul para caracterizar tal sensação e a captura ampla das belas locações, ainda mais engrandecidas para construir esse palco onde compreendemos em qual estado se encontra o casamento de Jesse e Celine e o afeto que possuem um pelo outro. Comparado aos outros dois, Antes da Meia-Noite é mais profundamente dramático, existencialista e “sombrio” por lidar com uma forte reflexão sobre a dificuldade em manter o amor estável durante tanto tempo e perante tantas situações onde ele é testado aos seus limites.

 

E, talvez seja o mais complexo de ser destrinchado por esse que escreve, já que é a mais fortemente ligada a identificação. Não são apenas pessoas que estiveram em um relacionamento conjugal que irão apreciar o filme, mas são elas que terão uma propriedade maior para analisar determinadas curvas dramáticas e momentos mais sutis e significativos.

Ainda nesse aspecto, existe muito material para ser compreendido por aqueles que nunca estiveram em um casamento (ou um relacionamento extenso), como bem exemplifica o brilhante segmento que acompanhamos Jesse e Celine debatendo em um banquete com gerações diferenciadas de casais e suas visões distintas sobre amor e relacionamentos (o mais moderno, o mais poético, o mais clássico, etc) e a maneira que Linklater articula o choque entre esses distintos olhares demonstra precisão, sempre através de uma sutileza nas interações que engrandece as diferentes formas de lidar como tais relações em diferentes períodos.

Porém, mesmo com esse breve desvio do foco direto na dinâmica dramática de Jesse e Celine, é ele que sustenta a complexidade emocional do projeto e que sustenta nosso interesse: agora, posicionados na casa dos 40 anos, aqueles jovens sonhadores e amantes encantados pela mística do amor no seu encontro em Viena são substituídos por adultos complexos, cansados e marcados (emocional e fisicamente) pela vida, fazendo com que venhamos a presenciar momentos como aquele que Jesse comenta sobre sua ânsia em se tornar “adulto” quando era apenas um adolescente e o seu desejo atual de que as coisas se desenvolvam de modo lento. A sutileza do amadurecimento é na forma como lidam com pequenos gestos, ações, até o modo que caminham dessa vez denota um envelhecimento. E a partir desse ponto simples que Linklater começa a articular tal ideal sobre a resistência do amor daquele casal perante anos e dificuldades.

Ao mesmo tempo em que sentimos contentamento ao vê-los juntos, notamos que algo está fora do lugar e que alguma coisa está errada na relação entre os dois. Enquanto nutrem e sustentam um amor profundo perante as adversidades que viveram, fica visível uma amargura que chega com a idade para aquele jovem casal esperançoso. 

E, quando afirmei que a Grécia era o palco perfeito para abordar essa “tragédia grega” na vida do casal, é Linklater que fica encarregado de transmitir isso com uma cena que é desconfortavelmente íntima, na qual vemos Jesse e Celine em uma singela discussão, mas que possui um impacto dramático maior do que aparenta: não só constatamos que aquela fantasia utópica que o encontro deles em Viena parece ter morrido como vemos que, aos poucos, o casal começa a enterrá-la. A ironia com que alfinetam um ao outro só reforça que construímos uma fábula de perfeição e idealizamos o amor como algo perfeito quando, na verdade, não é exatamente desse modo que funciona.

Curioso como Linklater brinca com esse fator em nossa mente, já que após o encontro em Viena, acreditamos em uma paixão que irá seguir inabalável por décadas, algo que o final (e somente ele) de Antes do Pôr-do-Sol faz questão de reafirmar, mas, essa lógica é diretamente quebrada pelo casal ao aprenderem aqui que, diferente do que pensavam quando tinham seus 20 anos e uma vitalidade incomparável ao cansaço que sentem aos 40, o amor não é um “conto de fadas” onde a noção de “felizes para sempre é resistente a qualquer evento desestabilizador”. O amor é algo forte, mas doloroso. Resistente, mas ainda muito frágil. Não é perfeito, mas é intenso, belo e eterno. E, nesse ponto que temos o final da trilogia, que não é necessariamente um desfecho, mas a confirmação que precisávamos para, enfim, após 18 anos acompanhando essa história, deixarmos Jesse e Celine.

Dito isso, a última cena de Antes da Meia-Noite consegue diversos picos emocionais no espectador: causa um leve riso, emociona, entristece e, por fim, contenta seu público. Linklater não procura o caminho mais fácil de evocar a conexão emocional em seu espectador, visto que já tínhamos assistido aos filmes anteriores e nosso contato emotivo com aquele casal de jovens que, agora vemos como adulto era o suficiente para segurar a capacidade dramática do momento. Além de exata no seu aspecto cinematográfico, ela é brilhante ao confirmar que, mesmo encantados pela beleza um do outro, o que realmente une e deslumbra Jesse e Celine é a conversa. E, mais lindo do que constatar isso é perceber que, o que começou com uma singela conversação, é “fechado” no mesmo artificio.


Um poético e singelo desfecho para uma bela fábula de romance situada no mundo real.

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