Tempo (Old, 2021, M. Night Shyamalan)

Por: João Marco

O cinema de M. Night Shyamalan quase sempre reitera o que existe de mais esperançoso na fantasia, seja a trivialidade da vida comum dos moradores no condomínio de A Dama na Água (2006) até o despertar do místico em David Dunn no Corpo Fechado (2000), em algum nível, o cinema do indiano revela uma ótica de fé em prol de encontrar no fantástico uma forma de acreditar e observar o mundo a partir de uma visão mais otimista. Contudo, é notável como o realizador que cobre suas obras inteiramente pela idealização mais utópica da humanidade consiga operar dentro de uma essência pessimista, descrente, em que a fantasia é um meio de condenação ou dispositivo para uma condução narrativa menos ligada a crença e mais apoiada no desespero, descrições que definem dois projetos específicos de sua filmografia: Fim dos Tempos, de 2008 e Old, traduzido como Tempo, nesse ano de 2021.

A razão acaba, indiretamente (ou até diretamente, quem sabe), refletindo o clima estadunidense (e mundial) de seu lançamento: enquanto The Happening foi lançado no terço final da era Bush e com suas lentes focadas na América assombrada pelo pós-11 de Setembro e o terror ocasionado pela sugestão de um provável novo atentado, Old é lançado em meio ao medo decorrente da pandemia do Covid-19 e a apreensão a respeito do avançar temporal distorcido pelo longo tempo preso em casa (ou, para os protagonistas do filme, na praia) e o suspense da morte que cerca constantemente o imaginário do globo. Dizer que Old é, explicitamente, uma alegoria ao cenário da sociedade contemporânea faz total sentido, mas sinto que está mais na sensação da obra do que na construção narrativa dos eventos. Se tem algo que a nova produção de Shyamalan é, pela ótica de quem escreve esse texto, isso é uma grande divagação sobre viver. 

As personalidades vistas em Old parecem estáticas no caminhar de suas vidas, presas a algo que os impedem de viver o hoje. Em uma discussão entre Guy (Gael Garcia Bernal) e Prisca (Vicky Krieps), um casal em crise, a esposa acusa seu cônjuge de pensar apenas no futuro enquanto o próprio rebate dizendo para ela que a mesma está com a mente sempre no passado. Nenhum dos dois conseguem viver agora, acumulando mágoas e ansiedades que os impedem de presenciar a beleza do que possuem no presente. Existe uma sequência curiosa na qual vemos os dois dispersos ao fundo de um quadro enquanto observamos, em primeiro plano, dois brinquedos presos a areia da praia, quase uma forma de expressar o suplício dos amantes ao quererem retornar para aquilo que já se dissipou no tempo, a infância.

A pureza de ser criança é um elemento fundamental na narrativa, tanto como mensagem/lição de moral quanto resolução dramática da narrativa - a resposta para a saída daquele local estava em um objeto inofensivo e descartável pela ótica adulta: uma brincadeira infantil de enigma envolvendo símbolos (como bem mencionou a Renata Ramos em sua review, reflete aquela percepção de que a geração atual vai tirar uma carta da manga ou um "bilhetinho da manga" nos minutos finais para encontrar uma solução dos problemas do passado que afetam o presente e, infelizmente, o futuro). Tanto é que, as principais atitudes dos adultos se revelam fracassos que só aumentam a pilha de corpos. A fuga desesperada em adiar o ciclo da vida é o que realmente faz os personagens de Old perecerem tão rapidamente. O tempo vai passar e, querendo ou não, adiar a viagem só faz desperdiçar o que existe de mais belo nela: a contemplação.

Shyamalan parece muito encantado pelo ambiente da praia, já que sua câmera passeia com nitidez pelas rochas, areias, observa o monte (mesmo que olhando para algo suspeito), como se o diretor tivesse um nítido interesse em transmitir que, o que realmente importa é a jornada e não a compreensão dela. E ainda que o desfecho seja justificado e compreensível, o valor aqui está em admirar a beleza daquilo que é tão mortal: a natureza. O espaço, mesmo que sempre reiterando a presença de uma ameaça silenciosa e invisível no valor objetivo daquelas imagens capturadas, sabe reconhecer o quão fascinante é aquele local, como é encantador aquilo que está no plano - o que conecta ele ao The Happening nesse aspecto - , algo que seus personagens só são capazes de compreender no leito de morte, quando Guy pergunta o motivo de todo o desespero que tiveram para sair da praia, ao que o mesmo responde ao dizer que ela é tão linda. 

Fugir do tempo é uma tarefa ingrata e falha. É uma força invisível, que limita nossa passagem pela vida, mas nos permite ter um período para contemplar o quão lindo é... estar vivo. Viver e ver o mundo pela pureza do olhar infantil. Voltar a ser criança tal como Cleveland Heep faz para chegar ao final de A Dama na Água. E admirar os belos momentos que vivemos, de um momento de ternura do pai com seus filhos até brincar de estátua com seus amigos em férias em uma praia. Não importa se o tempo passa rápido, mas ao invés de amargurar o passado e apressar o futuro, o mais importante é estar no presente, seja o pai e a mãe na jornada dos filhos até as crianças desfrutando da beleza de viverem a sua fase sem adiantá-la. Em um certo momento, vemos Maddox (Thomasin McKenzie) caminhando em direção ao mar e balbuciando que precisa ser a mais forte e madura perante aquele momento, mesmo sendo uma adolescente de 11 presa em um corpo de 16-20, aflita por aquilo que não foi capaz de viver e pulando uma parte da vida sem pensar duas vezes.

E por isso que Old, depois de Fim dos Tempos, é a obra mais pessimista de Shyamalan: ao final de tudo, sobra para Maddox e seu irmão, Trent, as memórias doces e dolorosas de uma vida que passou completamente em um período de um dia. Tempo perdido incapaz de ser recuperado, restando para os personagens seguirem o caminho de seus pais e viverem atordoados pelo que se encontra no passado e angustiados pelo que virá no futuro. 

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