O Hóspede (The Guest, 2014, Adam Wingard)

 

Por: João Marco 

(Crítica originalmente publicada no site Vamos Falar de Cinema)

A iconografia reverencial a um estilo, uma época ou até um “movimento cinematográfico” pode ser um artifício interessante se for bem inserido no contexto narrativo da obra. Produtos recentes da cultura popular, desde cinema até outras mídias, começaram a usar tanto uma espécie de “nostalgia” mais como um efeito vazio e desprovido de um propósito maior que tornou o recurso um meio fácil de capturar a atenção dos espectadores que procuram um conforto nesse mundo referencial que jamais se arrisca a propor algo novo, próprio, uma relação pessoal com a linguagem, mas se acomoda em um mundo de apelos óbvios e superficiais que, ao final da sessão, jamais permanecerão com o espectador.

E, por esse motivo, um filme como O Hóspede, dirigido pelo subestimado Adam Wingard, é uma joia rara: o realizador nunca faz de sua homenagem a uma essência oitentista, ao cinema de John Carpenter, um mero artifício de sacadas sem impacto, mas os usa para propor uma estimulante narrativa que rejeita outro sério problema do espectador atual: a busca por uma lógica.

Em uma geração que entra predisposta a exigir um “realismo” ou uma explicação detalhista irritantemente didática de seu universo, Wingard ignora completamente tudo isso e entrega uma experiência puramente sensorial, onde imagens e mistérios fazem parte da jogada. Ele não quer que o público entenda aquele mundo, compreenda suas bases ou algo do tipo, mas ele propõe uma viagem de sensações, onde mistura gêneros, tons e ritmos de maneira descompensada para oferecer uma jornada caótica que vai potencializando esse aspecto a medida que sua narrativa avança.

Ele crê em um cinema puro, livre de um cálculo cinematográfico cheio de diretrizes pré-estabelecidas que mais parecem uma equação matemática. Wingard — que brevemente seria injustamente crucificado pela excelente releitura do mangá/anime Death Note — utiliza da linguagem, da mudança de gêneros sem uma ordem clara, das explicações vagas, de uma falta de lógica, de um irrealismo assumido e de uma iconografia reverencial para criar uma obra poderosa e que jamais faz com que venhamos a desviar nossa atenção, puxa seu espectador pela mão e lhe leva em uma viagem espetacular.

Wingard parte inicialmente de um mistério primordial da origem do personagem de Dan Stevens apenas para criar um tom de alerta, mas sem jamais querer uma revelação mirabolante ou algo surpreendente. De inicio, o diretor já estabelece que existe algo obscuro em torno da personalidade de David (Dan Stevens): seu jeito respeitoso, silencioso, que olha mais do que fala, de postura rígida, simpático, mas sem esquecer de transparecer um tom ameaçador é o suficiente para potencializar a desconfiança sem que isso se torne um mistério omitido.

Todo o modo que Wingard filma o personagem em determinados momentos reforça tal ideia, usando de zooms pacientes em seu rosto onde tenta decifrar quem é aquela pessoa por trás da máscara que projeta — o mais emblemático, ao meu ver, é aquele que o vemos pela janela de seu quarto, sentado e “encarando a câmera”.

Toda a presença de David na casa dos Petersons acaba por possibilitar uma dinâmica alegórica interessante sobre o vazio emocional de uma família após a perda de um membro em uma guerra, onde tentam preencher aquele sentimento com a imagem desse “amigo” do filho morto que acaba completando esse “espaço esvaziado” da família, especialmente para as figuras do pai e da mãe. 

Todo esse subtexto do luto é um artifício reflexivo interessante, mas que jamais se torna o foco da narrativa, sendo mais um elemento bem introduzido dentro desse contexto, mas nunca se tornando o ponto central onde Wingard quer chegar nessa viagem caótica.

A partir dessa base, o diretor explora as dinâmicas isoladas com os membros daquela família que conquista a simpatia e confiança de cada um deles, especialmente entre os irmãos (David ajudando Luke (Meyer) a enfrentar os bullys do seu colégio e conquistando a atenção de Anna (Monroe) na festa), onde o bom-mocismo dele faz com que aquilo que deseja esconder se torne ainda mais enterrado e que sua persona seja isenta de desconfianças.

Depois da sequência da festa, Wingard imerge em definitivo nessa essência caótica, se aprofundando em uma mistura de gêneros cada vez mais absurda: o suspense que nasce na desconfiança de Anna vai se intensificando a medida que a obra vai revelando determinados elementos que ainda eram uma incógnita. Nessa parte, entra as ideias do experimento governamental, de intrigas e uma essência que remete a um cinema de ação puramente retirada dos anos 80/90, mas sem jamais se satisfazer com isso e estabelecer tudo através de sua execução desorganizada, tresloucada, mas muito envolvente e que prende a atenção do público a cada sequência. 

O filme vai de ação, suspense, terror slasher e ficção científica de um modo tão insano que se torna belíssimo de acompanhar como Wingard assume essa essência. E toda essa progressão vai até a “explosão” no clímax, onde tudo chega ao seu ponto máximo.

As cores e a trilha techno-pop se misturam em uma experiência absolutamente surreal, onde ele vai do psicodélico dos tons fortes em néon até algo assumidamente surrealista, como a sequência dos espelhos, e tudo dentro de uma fusão entre um slasher Carpenterniano e um suspense instigante e fabuloso, tudo orgânico e dentro dessa proposta de sensações, onde o que importa não é se “faz sentido”, mas a sensorialidade daquilo.

O Hóspede é, acima de tudo, confirma que Adam Wingard é um dos melhores realizadores da atualidade: o diretor não procura essa experiência racionalista ou essa construção puramente calculada, mas sim uma fabulosa viagem sensorial de sons e imagem, onde a forma é mais importante do que o conteúdo. Uma jornada que mistura gêneros, tons e estilos em uma obra que organiza isso de modo brilhante. Uma obra que reconhece a força da sétima arte não em “história” ou “roteiro”, mas através da potência da imagem. Do poder que possui o audiovisual. Por isso que, se fosse possível definir a obra em um diálogo, seria esse:

Por que esses homens querem lhe matar?

Não importa

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