Love Lies Bleeding - O Amor Sangra (Love Lies Bleeding, 2024, Rose Glass)



Por: João Marco

Estrutualmente, Love Lies Bleeding se divide entre dois filmes: o primeiro tem uma forte ligação com o cinema da francesa Claire Denis, especificamente os trabalhos que dirigiu sob a produção da A24 (High Life, Stars at Noon) em uma vertiginosa presença física das atrizes que reitera dramas de atração e desolação. O segundo agrupa certos elementos do gênero policial e das narrativas criminais entrelaçada em uma premissa de vingança que surge aos poucos. A cineasta inglesa Rose Glass até se esforça para manter uma unidade entre os dois, mas o curioso aqui é ver como, sutilmente, seu trabalho exorciza dois pilares dos debates que dominaram a cinefilia recentemente.

O primeiro é a presença ou ausência de instantes sexuais e incitações ao sexo em filmes. O que se inicia com alguns insights bobos se tornou um movimento grande o suficiente para se clamar pela "necessidade" de um botão que pule cenas eróticas em serviços de streaming. Obviamente, o discurso purista foi questionado por uma parcela considerável dos consumidores e cinéfilos. Por conta disso, Love Lies Bleeding parece ser um exemplar que compra tal briga ao não se inibir em reforçar o desejo, emocional e físico, presente no relacionamento de suas protagonistas.

Lou Lou (Kristen Stewart) e Jackie (Katy M. O'Brian) transpiram um desejo latente, uma troca verdadeira em uma realidade movimentada pelos corpos definidos (a primeira trabalha em uma academia e a segunda sonha em ganhar um concurso de fisiculturismo), pela mística do físico perfeito. Sua atração eclode dessa solidão que compartilham - Lou engolida pelas estruturas de sua casa e do trabalho; Jackie, uma estranha no ninho, consumida pelas ruas noturnas e se exercitando abaixo de um viaduto pela manhã - e pela atração, uma excitação genuinamente realçada pela perspectiva de Glass ao filmar Stewart e O'Brian com uma aproximação frequente de seus planos. 

A cineasta recusa o fetichismo e dá ao sexo de Lou e Jackie uma proximidade dramática que não enxerga o glamour estilizado do ato, mas a intensidade do tesão que compartilham. Nesse ponto, Glass se comunica com a poesia de movimentos aplicada por Denis em Stars at Noon; esse encontro estarrecedor de almas subjulgadas pelo exílio corporal, filmado com um desejo alucinante. As trocas de olhares, os sorrisos, até mesmo o menor dos contatos são fundamentais ao exalar o excitamento compartilhado pelas protagonistas e, especialmente, no contraste físico: Stewart como esse corpo esguio, mas extremamente sagaz e brutal e O'Brian com seu físico gigantesco que se opõe a sensibilidade e, muitas vezes, impulsividade da moça.


A segunda discursão que, de algum modo, ressoa em Love Lies Bleeding é a esquematização da "fórmula A24" em criar projetos que, cada vez mais semelhantes uns com os outros, transmitem a ideia de um padrão já pré-estabelecido para um público bem específico. Aqui, ainda que Glass se beneficie desse flerte com as relações físicas de proximidade e isolamento corporal da Claire Denis, tudo passa pelo filtro da produtora para ter o estilo de "filme da A24". É nesse ponto que entra a premissa da família de Lou, especialmente o seu pai, interpretado por Ed Harris. 

Além de muito desconexa com o arco Lou/Jackie - mesmo que seja atrelado ao casal - , é nele que manifesta-se os vícios estilísticos do estúdio, desde a insistência em momentos psicodélicos até a decupagem milimetricamente rigorosa na postura artística do estúdio, essa gourmetização das imagens que mais busca uma pretensão sensorial do que um efeito, um resultado além da admiração de uma "fotografia bonita". Isso prejudica o andamento do relacionamento das personagens (a separação antes do clímax desvia o foco para o núcleo de Harris, consideravelmente menos atrativo que o restante), que é recuperado por uma dissolução imperfeita - a mistura das premissas distintas se revela um problema em um momento-chave - , mas satisfatória. 

Love Lies Bleeding é uma produção no meio do caminho, minimamente satisfatória pela sinergia que Rose Glass entrega aos momentos compartilhados por Lou e Jackie, pela obsessão e desejo acerca do corpo, uma excitação cada vez mais ameaçada por um público surpreendente purista. Fosse mais bem resolvido e menos "A24", seria um aliado fortíssimo contra essa mentalidade casta do espectador contemporâneo. 

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