Wendy e Lucy (Wendy and Lucy, 2008, Kelly Reichart)
Os conflitos dramáticos que Wendy atravessa pelo caminho, de certo modo, se relacionam diretamente com sua incapacidade de sustento econômico em um país que é, em essência, capitalista; sua prisão, em determinado ponto da narrativa, só acontece pelo fato de que a mesma se vê sem condições de pagar por alimentos o suficiente para si mesmo e sua cachorrinha, sendo percebida e notificada por um funcionário que, em nome “do que é certo a se fazer”, ocasiona um dia perdido na vida da protagonista e o sumiço de Lucy, o que dificulta ainda mais a permanência da personagem naquele local, visto que sua companhia emocional era seu animal de estimação e o laço afetivo poderoso que existe entre ambas.
Reichardt não busca um olhar esperançoso e tampouco pessimista da situação, ela opta por observar a imensidão de eventos na vida de Wendy que se acumulam de modo dolorosamente realista: o carro que quebra e o conserto que custa um preço altíssimo, a (aflitiva) sequência na floresta à noite, a conversa de Wendy com a irmã - que a trata com um desprezo absoluto - são momentos essenciais para construir uma aproximação formal do plano e Wendy que, por consequência, estabelece uma relação mais forte com o público. A passividade na forma como Michelle Williams ao lado da cineasta compõem a protagonista e sua forma de lidar com os conflitos pelo caminho revela muito sobre o tumulto interno de Wendy em meio a situação que se encontra - e o fato de, não somente a performance de Williams como a decupagem de Reichardt se desestabilizarem ao mesmo tempo após a cena da floresta imprime a desorientação e exaustão da personagem em meio a tudo.
O cinema de Reichardt é, em essência, humano. Em meio a todos os percalços enfrentados por Wendy, são as conversas que tem com o segurança interpretado por Wally Dalton que mantém uma fagulha de esperança e gentilieza acessa enquanto a protagonista ainda tropeça em um país engolido pela melancolia de que dias melhores parecem tão distantes. A disposição da câmera de Kelly Reichardt é precisa ao evocar não somente a solidão interna de Wendy, mas a externa, em planos-abertos ou em quadros mais fechados, na sua presença espacial que sempre aparenta um distanciamento constante.
E isso se reflete nas últimas imagens que Reichardt exibe em Wendy & Lucy: após finalmente encontrar a sua cachorrinha, Wendy percebe que não pode levá-la adiante em sua jornada e que, para recuperar sua companheira, precisará concluir essa fase sozinha, em um vagão de trem que simboliza a continuidade, mas ao mesmo tempo reflete a completa falência de um país banhado em desesperança que não enxerga outra maneira para além de continuar em frente. Uma américa que vê a morte do sonho americano.
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