Wendy e Lucy (Wendy and Lucy, 2008, Kelly Reichart)


Por: João Marco 

É, no mínimo, curioso que Wendy & Lucy, dirigido pela norte-americana Kelly Reichardt tenha saído em 2008, onde o acúmulo de situações dolorosas em solo estadunidense parecia alcançar o seu limite: abrindo uma nova década e um novo século com a trágica manhã dos ataques ao World Trade Center no dia 11 de Setembro de 2001, a guerra ao terror propagada pelo então presidente George W. Bush em decorrência do evento e a crise financeira de 2007–2008 foram o suficiente para despertar uma sensação de constante melancolia, um receio que as lentes de Reichardt transmitem perfeitamente ao registrar a jornada de Wendy (Michelle Williams) ao lado de sua cachorrinha, Lucy, em uma viagem até o Alaska na busca por oportunidades de trabalho. Porém, em decorrência de vários fatores, a protagonista se vê presa em uma cidade pequena e perde sua companheira, intensificando ainda mais a sua desolação interna em meio a um país quebrado. 

Os conflitos dramáticos que Wendy atravessa pelo caminho, de certo modo, se relacionam diretamente com sua incapacidade de sustento econômico em um país que é, em essência, capitalista; sua prisão, em determinado ponto da narrativa, só acontece pelo fato de que a mesma se vê sem condições de pagar por alimentos o suficiente para si mesmo e sua cachorrinha, sendo percebida e notificada por um funcionário que, em nome “do que é certo a se fazer”, ocasiona um dia perdido na vida da protagonista e o sumiço de Lucy, o que dificulta ainda mais a permanência da personagem naquele local, visto que sua companhia emocional era seu animal de estimação e o laço afetivo poderoso que existe entre ambas. 

Reichardt não busca um olhar esperançoso e tampouco pessimista da situação, ela opta por observar a imensidão de eventos na vida de Wendy que se acumulam de modo dolorosamente realista: o carro que quebra e o conserto que custa um preço altíssimo, a (aflitiva) sequência na floresta à noite, a conversa de Wendy com a irmã - que a trata com um desprezo absoluto - são momentos essenciais para construir uma aproximação formal do plano e Wendy que, por consequência, estabelece uma relação mais forte com o público. A passividade na forma como Michelle Williams ao lado da cineasta compõem a protagonista e sua forma de lidar com os conflitos pelo caminho revela muito sobre o tumulto interno de Wendy em meio a situação que se encontra - e o fato de, não somente a performance de Williams como a decupagem de Reichardt se desestabilizarem ao mesmo tempo após a cena da floresta imprime a desorientação e exaustão da personagem em meio a tudo. 

O cinema de Reichardt é, em essência, humano. Em meio a todos os percalços enfrentados por Wendy, são as conversas que tem com o segurança interpretado por Wally Dalton que mantém uma fagulha de esperança e gentilieza acessa enquanto a protagonista ainda tropeça em um país engolido pela melancolia de que dias melhores parecem tão distantes. A disposição da câmera de Kelly Reichardt é precisa ao evocar não somente a solidão interna de Wendy, mas a externa, em planos-abertos ou em quadros mais fechados, na sua presença espacial que sempre aparenta um distanciamento constante. 

E isso se reflete nas últimas imagens que Reichardt exibe em Wendy & Lucy: após finalmente encontrar a sua cachorrinha, Wendy percebe que não pode levá-la adiante em sua jornada e que, para recuperar sua companheira, precisará concluir essa fase sozinha, em um vagão de trem que simboliza a continuidade, mas ao mesmo tempo reflete a completa falência de um país banhado em desesperança que não enxerga outra maneira para além de continuar em frente. Uma américa que vê a morte do sonho americano.

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