Fênix Negra e o aprendizado sobre não ter vergonha da minha opinião


Por: João Marco

Em 2019, no dia do meu aniversário de 16 anos, fui ao cinema. O filme escolhido foi o famigerado Fênix Negra. Já havia se passado uma semana do lançamento, tal qual dos milhares de comentários, textos "críticos" feitos em portais de nerdices, vídeos raivosos de youtubers reafirmando o quão ruim era o "último capítulo da franquia X-Men". Naquele ponto, já faziam dois anos desde o momento que comecei a escrever sobre cinema na internet. E, perante tudo que já havia consumido até aquele ponto, todos os "aprendizados" que absorvi, eu realmente não sabia de nada. Saber argumentar era uma base, mas a respeito de movimentos cinematográficos, do cinema de outras partes do globo, de influências além do nicho Hollywoodiano e sobre linguagem meus conhecimentos eram nulos - e mesmo hoje, com uma quantia considerável de estudo e um acervo maior de filmes assistidos, ainda conheço pouquíssimo.

Por conta disso, o que predominava na minha escrita era menos uma confiança do que a insegurança: mal sabia o João de 16 anos que, ao contrário do que sentia internamente, ele poderia admirar algo que a maioria - críticos, inclusive - odiaram aos montes. Isso não era um crime. Ele só precisava entender o que despertou o seu fascínio por obra X e Y que não ocasionou o mesmo efeito nos demais. Mas aquele jovem não sabia disso. Todavia, ele demonstrava alguns sinais bem evidentes de uma mudança. Um entendimento que ele teria no ano seguinte: não existe regra para amar ou não um filme. Muito menos o seu apreço tinha que ser escondido por artifícios como "é tão ruim que é bom" ou os infames "guilty pleasures".

Mas ninguém tinha dito isso pra ele. E então, o mesmo João voltou pra casa naquele dia com a convicção de ter visto um filme ruim. Uma lembrança de ter assistido algo desagradável no dia do seu aniversário, mas nada digno de ser memorável. Contudo, tinha sim algo que martelava constantemente a sua consciência, um sentimento esquisito de não ter visto algo tão podre quanto as reações ao seu redor lhe convenciam. Certa vez, escutei que o pior tipo de crítica é o que se posiciona, mesmo que indiretamente, como uma verdade irremediável. E a pessoa que comentou estava certa. Naquele instante, estava rodeado desse tipo de crítica. E o pior: não tinha a ousadia de assumir o que realmente sentia.

Eis que decido rever Fênix Negra em 2024. Cinco anos depois, muita coisa mudou. Seja na minha vida íntima ou na postura em relação a escrever sobre cinema e a forma que busco consumir essa arte, as mudanças ressoaram em vários aspectos. O ganho de experiência em todas as áreas da minha vida se refletiram na forma que articulo uma opinião, pois a crítica diz mais sobre quem escreve do que sobre um destrinchamento matemático rígido e automatizado. É menos "a fotografia é bonita" e mais como ela se revela fundamental na construção de um sentimento, uma ideia. 

Claro que, uma das experiências que ganhei com o passar dos anos é a coragem de defender meus posicionamentos, não importa em qual área da minha vida; logicamente, uma delas é a minha perspectiva a respeito de uma obra, até a mais rechaçada e apredrejada que seja. E quem se beneficiou foi um filme que, por receio oculto de expôr o que senti, seja ambíguo ou concreto, escolhi o caminho mais injusto comigo: rejeitar a possibilidade de um argumento contrário para afirmar que era ruim. O real motivo? Nem ele mesmo sabia.

O João de 2019 seria incapaz de perceber como, por exemplo, o exército da Chastain não era uma alusão aos Skulls, mas uma discreta homenagem a Body Snatchers e, principalmente, Village of the Damned do Carpenter (o cabelo platinado da Chastain é mais do que um mero detalhe); ele também não perceberia o quão dramático e denso é o vínculo humano, sem aquelas amarras de "roteiro bem escrito" e outras limitações, mas pela brutalidade que operam os close-ups extremos e a doçura de momentos pequenos, vide as cenas entre Jean e Scott, momentos que o gesto exerce um peso maior do que "diálogos mal escritos", que afirmei ao falar dele naquela época. 


Aquele jovem também era incapaz de perceber o quão expressiva era o clímax: seja os conflitos dentro dos espaços comprimidos dos vagões, a escala reduzida e menos megalomaníaca do que a imposta a ele ou até mesmo a sequência que Jean elimina o exército de Vuk um por um em um slow motion mais atrativo que a burocracia plastificada e acinzentada que o subgênero ofereceu de 2008 até aqui. Se o João naquela época tinha um desconforto por não admitir que sentiu algo ao ver aquilo, esse mesmo não faz concessões em reconhecer o quão estimulante é a dissolução desse filme.

Obviamente, não foi com Fênix Negra que aprendi essas lições. O tempo, a experiência e a necessidade de aprender me trouxeram a esse ponto. Me fizeram perceber que, ao contrário do que se propaga por alguns comunicadores, cinema não é uma arte de verdades universais. Honestamente, nenhuma forma de arte é. O que as tornam especiais é a pluraridade de perspectivas, sensações e até interpretações que podem ocasionar nos mais variados públicos. 

E é muito reconfortante ver que aquele garotinho inseguro em dizer que gostou de algo aprendeu essa lição muito bem.

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